Fantasiemos

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Já que a proposta do meu companheiro de blog é fantasiar, fantasiemos.
Penso pouco no que será minha vida além-túmulo.
Não tenho muita convicção sobre o que é necessário para viver nas ruas de ouro do céu. Mas, para simplificar, admitamos que basta declararmos Jesus como Salvador e Senhor e nossa moradia já está garantida. Aí, mora também o problema: se no céu eu reconhecer algumas pessoas cotadas para lá viverem, no céu não estarei.
Será céu se o céu for do tamanho do Planeta Terra, pelo menos. Eu, reconhecendo os salvos, vou ter minha casinha em uma rua qualquer da Bolívia celeste. Alguns ex-chefes morariam na Sibéria celestial e, por toda a eternidade, jamais nos encontraríamos. Não só ex-chefes, porque de chefe só um tipo muito desprezível de pessoa gosta.
Os amigos morariam nas vizinhanças. Todo fim de semana o Evil faria churrasco e comeríamos sem a preocupação de engordar. Chefes? Não haveria trabalho no meu céu, para que chefe? Está certo que chefe e trabalho não combinam. Chefe é bom de fingir que trabalha.
O tempo seria sempre ameno. Chuva só de vez em quando. O único tipo de música admitida seria o rock. Funkeiros, pagodeiros e sertanejos iriam prum lugar bem quente, com outra gerência.
Bom, só assim aceito reconhecer os salvos, no céu. Como suportar, por toda a eternidade, gente que mal tolero por instantes?
Está certo que algumas pessoas que se afirmam crentes me fazem conjecturar: ou elas são ou eu sou. Espero que seja eu o crente.

"Que tenho eu contigo, Jesus?"

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Não, eu não sou uma legião de espíritos e também não há uma vara de porcos nas proximidades (MC 5.1-15). Essa frase, no entanto, poderia também ser minha, não por temor, mas por um genuíno espanto ao deparar-me com Cristo no porvir, caso acreditasse na teoria da “amnésia celestial”.
Explico: é comum entre os cristãos crer que ao encontrar-se com Deus no Paraíso, ninguém mais lembrará de coisa alguma, nem de fatos, nem de pessoas.
Fantasiemos este Céu de desmemoriados: não há, obviamente, tristezas ou dores pelos entes queridos que não creram no único mediador e salvador ofertado por Deus. Não há pranto por aqueles que não se mantiveram firmes em seus propósitos com Cristo. Não há lembranças de nossas gafes teológicas, multiplas denominações e doutrinas estapafúrdias. Neste Céu, também não lembramos das hierarquias sociais, religiosas e familiares, e somos todos igualmente filhos de Deus, pois Jesus, seu poderoso Filho, nos salvou. Só não sabemos exatamente do que.
No Céu dos desmemoriados não há a alegria da salvação, o júbilo da vitória, as lágrimas de felicidade ao encontrar velhos irmãos e entes amados que antes morreram, mas que, em Cristo, venceram o pecado e a morte, e alegremente ceiam com seu Senhor na glória. Neste Paraíso de Alzheimer não vai haver aquele sonhado abraço e aquele beijo tão esperado no rosto do Senhor Jesus, seguido do nosso "muito obrigado" por tão grande salvação ofertada.
Nada de dores, nada de traumas, nada de saudades, mas também, nada de gratidão.
Assim, o Paraíso fica mais pobre, mas estamos livres de chorar por aqueles que rejeitaram o Filho do Deus altíssimo e seu magnífico sangue derramado como prova de um amor que ninguém jamais sentirá por nós. Neste Céu, preferiremos não saber quem exatamente Cristo é, para, na verdade, somente não sofrermos por aqueles que, muito menos que ele, também nos amaram.

O professor

sábado, 16 de maio de 2009



Em 1980, entendi que devia ir para o Seminário. O bom batista, no Rio, ou ia para o Seminário do Sul ou o Betel. Havia outros, mas nem eram considerados por quem desejava fazer um curso razoável. Hoje há centenas de seminários. Tudo meia bomba. Inclusive os dois citados no início.
No segundo semestre daquele ano, conheci Jerry Stanley Key. Era professor de Homilética e a primeira parte de sua disciplina estudávamos depois de seis meses de seminário.
Eu era um tímido mórbido. Já deixara o curso de História da UFF por não conseguir me apresentar à frente da turma. O trabalho final de Homilética era, lamentavelmente para mim, pregar um sermão diante da turma.
Postei-me diante dos algozes, encapsulado em terno e gravata, e, claro, fracassei. No meio do sermão, desisti do curso.
O tempo passou, dez anos depois vencera a timidez de falar em público (ainda tenho certa aversão a seres humanos). A igreja foi minha escola. Voltei ao seminário, fiz Homilética e fui aprovado com louvor.
Quando soube da homenagem que os ex-alunos de Jerry Key prestariam a ele no seminário, venci minha resistência de ir à ex-casa de profetas e, também por causa da carona do amigo Wander, fui até lá. Ótimo ter ido. Revi algumas pessoas queridas e pude participar da homenagem a um professor como já não existe naquela decadente instituição.
Jerry Stanley Key é homem ético, íntegro, conhecedor da matéria que ensinou e dedicado a seus alunos. Não foi unanimidade entre alunos. Havia quem não o suportasse. Mas não há, que tenha estudado com ele, quem não reconheça as qualidades que listei. O que, convenhamos, é muito mais do que a esmagadora maioria dos professores oferece, hoje.
Jerry Key, visto com meus olhos de hoje, parece um extraterrestre. O carinho genuíno que demonstra por sua esposa Joana (também homenageada), a identificação com o país e o povo brasileiro, sua disciplina física e espiritual são todas características que impressionam. Jerry Key conhecia tão bem o português que fazia reparos nos textos dos seminaristas desatentos. Hoje não seria vantagem. Há líderes denominacionais que não conseguem juntar duas frases e a elas dar sentido.
No encontro, realizado dia 11 de maio, falaram ex-alunos, ex-reitores, pregou o pr. Key e, no final, houve uma reunião para uma foto. Nesta hora eu saí, olhei a capela do Seminário, sentei-me no meio-fio e, como um personagem de Nelson Rodrigues, chorei lágrimas de esguicho pensando no triste fim do outrora glorioso Seminário do Sul. (Utahy Santos)

TIRANETES

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Trabalhava no Jornal do Brasil como revisor de texto. Deixei passar, por desatenção, na primeira página, Volta Redonda, em vez de Volta Grande. O texto era chamada para reportagem com o presidente milico da época. Se passasse errado, quase certamente estaria na rua. O encarregado da oficina, o lendário Jorge Cachorrão, entrou na ampla sala da revisão, veio até minha mesa e mostrou-me a prova em papel com meu erro. Depois que vi, ele amassou e jogou fora. Somente ele e eu soubemos o que aconteceu.
Aprendi com Cachorrão que não há necessidade de expor o colega.
Na década de 90, trabalhei alguns penosos meses em uma empresa evangélica. Os colegas estavam descontentes com algumas medidas tomadas pelo líder. Reunimo-nos, a ralé, e resolvemos que apresentaríamos, respeitosamente (há que ser muito delicado ao dirigir-se a ungidos, eles são melindrosos), nossas reivindicações. O pastor-chefe abriu os trabalhos e pediu aos que quisessem dizer algo que o fizessem. Eu, já com quarenta e tal, acreditei. Os colegas quedaram-se em tumular silêncio. O gordo aqui falou e dançou. Chefes (em sua grande maioria) adoram subalternos que lhes sirvam como claque.
Na década de 80, trabalhei na Manchete. Havia todo um ritual que orientava a saída das revistas para a gráfica. As semanais na frente, as mensais aguardavam. A exceção era quando havia fechamento de uma mensal. Tavares, o único chefe inteligente com quem trabalhei, me pôs na distribuição enquanto ele descia para tomar um grau. Quando voltou me pegou distribuindo Sétimo Céu. “Gordo, você é uma besta”, foi o começo. No final, acho que já estava me mandando tomar no cu (naquela época, tomar no cu não dava o cartaz de hoje). De minha parte, brindei-o com o bom repertório que aprendi nas ruas e alguma coisa que só conheci na igreja. Meia hora depois era como se nada tivesse acontecido. Homens agem assim.
Na JUERP trabalhei com um louco que foi posto pra fora de duas igrejas por indolência. Ele era chefe de quatro infelizes: eu entre eles. O idiota achava que eu telefonava demais. Para resolver a questão, soltou um memorando proibindo ligações durante o expediente. A secretária entregou o papel aos serviçais. Mais tarde ele chamou meus colegas e lhes disse que o memorando só valia para mim. Continuei telefonando até sair de lá, claro.
Concluindo, na Última Hora trabalhei durante três meses. Como no Jornal do Brasil, tinha de trabalhar sábados e domingos. Éramos 12 homens confinados em uma sala sem janela. Em compensação, o ar refrigerado nos congelava. Dez colegas fumavam. E fumavam muito. Nunca fui trabalhar sábado nem domingo. Um dia, Otávio, o chefe, me chamou e disse que se eu continuasse faltando me dispensaria. Honestamente, disse-lhe que fins de semana eu não iria. “Bom, vou segurar você uns dois meses, depois mando embora, tá ok?”, ele me disse. Não foi necessário, porque surgiu o emprego na Manchete, que era de segunda a sexta.
Não estendo a impressão terrível que tenho de chefes evangélicos para pessoas que conheci na vida “civil”, mas, confesso, no trabalho lidei com descrentes bem mais sérios e éticos do que os crentes com quem topei.

Enganadores

sábado, 9 de maio de 2009

Líderes de igrejas, de denominações e de conglomerados de fé vi de perto, trabalhando em um jornal evangélico, e de longe, pela televisão. Salvo honrosas exceções, são enganadores e, alguns, incompetentes.
Edir Macedo é um enganador, mas competentíssimo. Suas competência e inteligência transformaram a Universal em um império que, acredito eu, desmoronará depois de sua morte.
Líderes de denominações históricas, além de embusteiros são incompetentes. Ou melhor, têm a competência de saber se movimentar fazendo conchavos com parceiros que têm os mesmos interesses que eles. Direi o óbvio, porque o óbvio, nos dias atuais, não tem sido tão óbvio assim: “Os interesses desses líderes não são os de Deus”. Mas sobre os incompetentes falo depois.
Na infância frequentei cultos afro-brasileiros. O chefe de um terreiro pegou umas três filhas de santo. Foi um escândalo. Ele não morreu, mas apanhou muito dos genros de santo. Hoje, há líderes evangélicos que se servem das ovelhas como se estivessem em uma churrascaria. E não aceitam comer cupim.
Alguns artistas exigem dos trouxas que os seguem pagamento para fazer orações especiais. O primeiro dindim que o bobo recebe, referente a um dia de trabalho, deve ser dado ao líder que orará (com mais ou menos fervor, dependendo do valor ofertado) pela causa apresentada.
Todo esse engodo é revestido de palavrório bíblico. Sem fundamento, claro. Só a ignorância do gado que se senta nos bancos de igrejas explica isso.
Se um dia o gado acordar, e estudar, esses parasitas terão de fazer o que fazem os mortais comuns: trabalhar.

A multidão só quer o pão

Cada um tem o que busca. Há quem busque ser tosquiado. Há quem engorde muito com carne de ovelha magra.
O grande 'problema' do Evangelho de Cristo é sua insistência na afirmativa da necessidade do homem em relacionar-se com Deus por meio de seu filho. Relacionamentos exigem, inexoravelmente, vínculos e comprometimento, e eis aí nosso grande entrave. A sociedade pós-moderna não lida bem com compromissos e concomitantemente é profundamente mística.
Misticismos se constroem com crendices que se sustentam pela ignorância. Entende-se, portanto, porque tanto sucesso fazem as religiões de mercado. Pirâmides, duendes, cristais, incensos, anjos, cores, luzes e afins são capazes de curar, dar paz, trazer sucessos, proteger, consertar erros e mudar realidades incômodas, sejam elas quais forem, sem requererem nenhum compromisso de quem delas se utilizem.
Diante dessa realidade, as religiões concorrentes precisam recuperar o fôlego perdido. Se há uma pessoa – a pessoa -, haverá relação e compromisso, e isso é demasiadamente cansativo, a menos que se ofereçam bônus, pontuação e milhagem por fidelidade. Portanto, já é possível ser evangélico sem Cristo. É isso que se busca. Sim, queremos Cristo! Só precisamos saber que vantagem teremos.
Ninguém quer ouvir que Deus não lhe deve nada, que está no Céu e que faz tudo que lhe apraz. Queremos um Deus semelhante a nós: manipulável. Só precisamos encontrar quem, manipulando-nos, prometa-nos manipulá-lo. As palavras de Cristo são demasiadamente enfadonhas se não devidamente retificadas pelo nosso bondoso manipulador. Só ele sabe açucarar um fardo não tão leve assim. Sim! Eis nossa lã, nossos dízimos, nossas ofertas e oferendas, nossas “primícias”, nossos “desafios”, nosso dinheiro e tudo mais que se exija – dá-nos, tão somente, o poder de controle sobre a divindade que tudo pode, mas que tem a péssima mania de querer mudar-nos e fazer-nos semelhantes a ele.


Utahy Caetano
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Marcelo Belchior
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