Mulheres e homens: iguais na diferença

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Até o final da década de 20 do século passado, mulher não votava. Quase 100 anos depois, o Brasil pode ter uma presidente do sexo feminino, a ministra Dilma Roussef.
Não cabe neste espaço detalhar a trajetória da mulher aqui no Brasil, mas recordemos que na entrada do século passado ainda eram comuns os casamentos arranjados. A mulher não escolhia seu marido.
Mulheres não trabalhavam fora e aquelas que o faziam, ali pelas décadas de 50, 60, não eram bem vistas pela “sociedade”. A mulher séria laborava no lar, para marido e filhos.
Era incomum mulheres em posição de mando dentro de empresas. Quando acontecia, o preconceito sexista falava alto e grosso e atribuía a conquista feminina a algum envolvimento romântico com alguém poderoso.
A mulher não podia ter carreira profissional regular porque era dela somente a atribuição de cuidar da casa e dos filhos. O marido chegava cansado do trabalho e só almejava descansar e ser bajulado.
A década de 60 chegou. Com ela, o feminismo. As mulheres queriam viver plenamente. Nada mais foi como antes. Muita bobagem foi feita. Houve exageros. Voltar ao que era, no entanto, é impossível.
Homens e mulheres ficavam casados a vida toda. Era isso ou suportar o estigma de desquitado. O divórcio, hoje, é realidade. Comum, inclusive, entre crentes. Sempre doloroso, principalmente quando há filhos, tem sido cada vez mais a saída de casamentos sofridos. Sempre acharei mais saudável duas pessoas que não se suportam mais seguirem caminhos diferentes.
Mulheres, hoje, têm suas carreiras profissionais. Grandes empresas multinacionais são conduzidas por mulheres. Mulheres governam países. O casamento não é como era. O homem não é mais o único provedor. Há algum tempo, era comum ouvirmos de alguns homens mais “moderninhos”: “O salário de minha mulher é pra ela comprar as coisas dela. As contas quem paga sou eu”. Esse tempo acabou.
Casais dividem despesas e trabalho. No lar, trabalham os dois. As creches não provocam mais sentimento de culpa nas mulheres. É cada vez mais usual mulheres deixarem para ter filhos depois dos 30 anos, com a vida profissional consolidada.
Este é o século 21 nas grandes metrópoles. Não há sentido em se falar, hoje, em submissão, como muitos ainda defendem a partir de leitura literalista do texto bíblico.
A palavra está mais do que desgastada, mas não há outra: a mensagem bíblica precisa ser contextualizada. Aliás, nunca entendi porque contextualizamos algumas passagens bíblicas e outras, não. Mulheres falam em igrejas (menos naquelas comunidades mais obscurantistas) e há proibição na Bíblia quanto a este ato (1Co 14.33-35). Os intérpretes são quase unânimes em descartar a interpretação literal, no que fazem muito bem. Essa deveria ser a regra.
Mulheres e homens são parceiros. O casamento para se sustentar depende de investimento e disposição do casal. Muito pouca gente mantém-se dentro do matrimônio para dar satisfação a terceiros. Casais permanecem casados quando há amor, respeito, preocupação mútua com o bem-estar e amizade.
As mulheres conquistaram tudo o que havia para ser conquistado. Homens e mulheres são iguais, apesar das gritantes diferenças. E é muito bom que assim seja.

Diáspora

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Povos na diáspora lembram membros de igrejas que saíram de suas comunidades de origem por enfrentarem problemas com líderes autoritários.
Por associação, tiranos políticos são semelhantes a tiranos religiosos.
Criarei personagens para contar minha história. Qualquer semelhança com fatos verdadeiros é proposital.
João, aos 20 anos converteu-se em uma igreja evangélica histórica (o rótulo pode ser escolhido: tradicional, conservadora etc). Não tinha lá muita noção do que era ser evangélico. Naquela igreja aprendeu.
Casou-se com uma menina da igreja. Os pais começaram a se interessar pelo Evangelho e até seu irmão, antes avesso à mensagem de Jesus Cristo, um dia atendeu o apelo feito pelo pastor.
João tem 45 anos, é diácono da igreja. A esposa, além de excelente musicista, lidera as mulheres da igreja. O casal tem dois filhos adolescentes, ambos integrados ao trabalho eclesiástico. Há muita gente na igreja de João com história parecida com a dele.
A igreja de João fará 50 anos. Metade da história de vida da comunidade, João viveu. Seus sogros vieram de outra igreja para, juntamente com outros, fundar aquela há cinco décadas.
O pastor que dirige a comunidade o faz há 40 anos. É homem sério, íntegro, de outro tempo. Não entende muita coisa que vê. Ensinou a igreja a pautar decisões na Bíblia. “Deus nos fala através da Palavra. Quando fala em nossos ouvidos, não é ele que está falando. É nosso cérebro nos pregando peças”, dizia sempre como advertência.
Em 50 anos, a igreja chegou a 456 membros. Cresceu em tempo difícil, anterior à sanha neopentecostal em época que teologia da prosperidade era novidade.
“O pastor está cansado, não acompanha os jovens, precisamos de obreiro vigoroso. A igreja deve acelerar o crescimento”. Um diz, dois dizem, muitos dizem e chega o momento em que o velho pastor se aposenta (ou é aposentado) e um novo líder toma à frente do rebanho.
João não achou que a escolha fora bem conduzida. Escolheram um homem que só demonstrou eloquência vazia, simpatia forçada e muita vaidade. O novo pastor era o oposto do antigo e, por isso mesmo, a igreja o escolheu.
No primeiro ano, o pastor deu especial atenção ao trabalho jovem. A igreja vivia lotada. Cem novos membros juntaram-se aos 456 que lá estavam. Mais da metade desses 100 vieram de outras igrejas, sedentos de novidades.
No segundo ano, o novo pastor começou a mudar várias organizações da igreja. “Meus irmãos, não podemos usar métodos do século 20 no século 21. A igreja precisa mudar”. Os líderes achavam que o pastor estava certo. Os poucos que discordavam saíram. Sem traumas.
João saiu na primeira leva. A família resistiu. Foi para outra igreja do mesmo grupo, em bairro próximo. Lá ouviu que no começo do terceiro ano de pastorado de seu ex-líder este reuniu a igreja para informar que Deus lhe dera uma visão. A partir daquele momento, implantaria a visão que o Senhor lhe concedera. A igreja decidiria, mas se ele não pudesse fazer o que Deus lhe pedia deixaria o pastorado.
O novo pastor era homem de Deus, mas já havia manobrado nos bastidores e sabia que imporia sua vontade. Os novos membros, a turma silenciosa que frequentava a igreja e alguns que ganhariam muito com a implantação de seu império garantiriam a vitória da “visão de Deus”.
Nos próximos meses, João veria chegar à sua nova igreja velhos companheiros de luta. Na nova igreja, o grupo seria visto sempre junto, conversando sobre assuntos da velha igreja. Relembrariam os bons tempos, falariam com saudades de programações que conduziram, não esconderiam a mágoa que nublaria seus corações.
A outra igreja crescia. Dobrara o número de membros. Imitava descaradamente a metodologia da mãe de todas as igrejas picaretas. “Vocês nasceram para prosperar, ficar ricos, ganhar muito dinheiro. Deus tem horror à pobreza. Abomina doença. Gente doente é gente sem fé. Sou saudável e troco de carro todo ano por causa disso. Não quero contrariar meu Senhor”. E o povo mugia feliz.
Povos na diáspora lembram membros de igrejas que saíram de suas comunidades de origem por enfrentarem problemas com líderes autoritários. Vivem em grupos, lembrando-se do passado, sem jamais se integrarem completamente na nova pátria.

Defesa de Deus

sábado, 9 de janeiro de 2010

Karen Armstrong, autora de The case for God, livro que faz uma “defesa” de Deus, diz na revista Época que “Os novos ateus são teologicamente iletrados. Como os fundamentalistas religiosos, eles infantilmente concebem Deus como um ser poderoso que os homens não conseguem enxergar”.
Teologicamente iletrados somos quase todos nós.
Escrevo sempre a partir do que vi/vejo acontecer dentro do grupo ao qual é filiada a igreja em que me congrego, mas não tenho ilusão alguma de que em outros grupos a situação seja diferente.
Frequentei o seminário maior de meu grupo em duas ocasiões: começo das décadas de 80 e de 90. Em 10 anos constatei a queda de nível do ensino teológico. Na década de 80 estudei em um seminário com problemas semelhantes ao de outras instituições de ensino. Em 1990, me sentia participando, na maioria das aulas, de uma grande Escola Bíblica Dominical. Não gosto nem de imaginar o que é, hoje, a Casa de Profetas.
Em um seminário formam-se os que liderarão igrejas e os que alcançarão cargos elevados nas instituições que regulam a vida das comunidades de fé. Se são malformados, capitanearão igrejas incapazes de entender a simplicidade da mensagem do Evangelho e conduzirão seus grupos para o abismo.
O que fazem pastores medíocres, preguiçosos, avessos ao estudo? Têm uma visão. As orientações para o desenvolvimento da visão vêm diretamente de Deus ou de um mentor que teve visão semelhante, se deu ao trabalho de implantá-la e, posteriormente, faturou com ela. Poderia citar vários nomes, mas, sei lá, pode ser que alguém leia este texto e resolva me processar. Não estou podendo me envolver com rábulas.
Pastores medíocres são a grande maioria em um universo que, sim, tem excelentes homens e mulheres cumprindo seus deveres com brilho.
Em época de seminário, vi colegas recolhendo dos escaninhos onde os professores deixavam os trabalhos corrigidos, obras alheias bem avaliadas, que serviriam de matriz para as suas futuras tarefas. Havia um mercado de alunos produtores e compradores. A cola era livre. Esses alunos medíocres tornam-se pastores medíocres.
O inocente dirá: “Tais indivíduos não conseguirão pastorear igrejas. Deus não permitirá”. Permite. Por que, não sei, mas permite.
Os concílios são convescotes. Se for bem relacionado, o medíocre tem pouso certo. Se não houver igreja à disposição, aguarda a vez numa instituição qualquer do grupo. É simples assim.
Karen Armstrong não é ligada a nenhum grupo religioso. Foi freira há algumas décadas. Hoje, crê em Deus. Acredito que muitos agem desta forma, hoje em dia.
A maioria, no entanto, por ser teologicamente iletrada, seguirá crendo em líderes medíocres. As igrejas continuarão crescendo numericamente, as massas nômades, que circulam de líder em líder, aumentarão e o descrédito da igreja entre os que usam um pedacinho do cérebro atingirá nível altíssimo.
Tudo isso é natural em uma cultura de valorização da mediocridade. Pouca gente lê e quando o faz gasta tempo com cabanas, paulos coelhos, símbolos secretos etc. Como é natural, quem sou eu para não aceitar. O que não aceito é quando afirmam que isso tem a ver com Deus. Aí, francamente, me emputeço.


Utahy Caetano
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Marcelo Belchior
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