Diáspora

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Povos na diáspora lembram membros de igrejas que saíram de suas comunidades de origem por enfrentarem problemas com líderes autoritários.
Por associação, tiranos políticos são semelhantes a tiranos religiosos.
Criarei personagens para contar minha história. Qualquer semelhança com fatos verdadeiros é proposital.
João, aos 20 anos converteu-se em uma igreja evangélica histórica (o rótulo pode ser escolhido: tradicional, conservadora etc). Não tinha lá muita noção do que era ser evangélico. Naquela igreja aprendeu.
Casou-se com uma menina da igreja. Os pais começaram a se interessar pelo Evangelho e até seu irmão, antes avesso à mensagem de Jesus Cristo, um dia atendeu o apelo feito pelo pastor.
João tem 45 anos, é diácono da igreja. A esposa, além de excelente musicista, lidera as mulheres da igreja. O casal tem dois filhos adolescentes, ambos integrados ao trabalho eclesiástico. Há muita gente na igreja de João com história parecida com a dele.
A igreja de João fará 50 anos. Metade da história de vida da comunidade, João viveu. Seus sogros vieram de outra igreja para, juntamente com outros, fundar aquela há cinco décadas.
O pastor que dirige a comunidade o faz há 40 anos. É homem sério, íntegro, de outro tempo. Não entende muita coisa que vê. Ensinou a igreja a pautar decisões na Bíblia. “Deus nos fala através da Palavra. Quando fala em nossos ouvidos, não é ele que está falando. É nosso cérebro nos pregando peças”, dizia sempre como advertência.
Em 50 anos, a igreja chegou a 456 membros. Cresceu em tempo difícil, anterior à sanha neopentecostal em época que teologia da prosperidade era novidade.
“O pastor está cansado, não acompanha os jovens, precisamos de obreiro vigoroso. A igreja deve acelerar o crescimento”. Um diz, dois dizem, muitos dizem e chega o momento em que o velho pastor se aposenta (ou é aposentado) e um novo líder toma à frente do rebanho.
João não achou que a escolha fora bem conduzida. Escolheram um homem que só demonstrou eloquência vazia, simpatia forçada e muita vaidade. O novo pastor era o oposto do antigo e, por isso mesmo, a igreja o escolheu.
No primeiro ano, o pastor deu especial atenção ao trabalho jovem. A igreja vivia lotada. Cem novos membros juntaram-se aos 456 que lá estavam. Mais da metade desses 100 vieram de outras igrejas, sedentos de novidades.
No segundo ano, o novo pastor começou a mudar várias organizações da igreja. “Meus irmãos, não podemos usar métodos do século 20 no século 21. A igreja precisa mudar”. Os líderes achavam que o pastor estava certo. Os poucos que discordavam saíram. Sem traumas.
João saiu na primeira leva. A família resistiu. Foi para outra igreja do mesmo grupo, em bairro próximo. Lá ouviu que no começo do terceiro ano de pastorado de seu ex-líder este reuniu a igreja para informar que Deus lhe dera uma visão. A partir daquele momento, implantaria a visão que o Senhor lhe concedera. A igreja decidiria, mas se ele não pudesse fazer o que Deus lhe pedia deixaria o pastorado.
O novo pastor era homem de Deus, mas já havia manobrado nos bastidores e sabia que imporia sua vontade. Os novos membros, a turma silenciosa que frequentava a igreja e alguns que ganhariam muito com a implantação de seu império garantiriam a vitória da “visão de Deus”.
Nos próximos meses, João veria chegar à sua nova igreja velhos companheiros de luta. Na nova igreja, o grupo seria visto sempre junto, conversando sobre assuntos da velha igreja. Relembrariam os bons tempos, falariam com saudades de programações que conduziram, não esconderiam a mágoa que nublaria seus corações.
A outra igreja crescia. Dobrara o número de membros. Imitava descaradamente a metodologia da mãe de todas as igrejas picaretas. “Vocês nasceram para prosperar, ficar ricos, ganhar muito dinheiro. Deus tem horror à pobreza. Abomina doença. Gente doente é gente sem fé. Sou saudável e troco de carro todo ano por causa disso. Não quero contrariar meu Senhor”. E o povo mugia feliz.
Povos na diáspora lembram membros de igrejas que saíram de suas comunidades de origem por enfrentarem problemas com líderes autoritários. Vivem em grupos, lembrando-se do passado, sem jamais se integrarem completamente na nova pátria.

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