Os sonhos de Deus para o homem
Alguns ditos populares do evangeliquês nosso de cada dia são catastróficos, não exatamente pela agressão de seus absurdos exegéticos, mas pela ampla aceitação que conquistam no coração e na mente dos incautos. Um desses ditos, que facilmente viram adesivos de pára-brisas, é: “Não morrerei enquanto o Senhor não cumprir em mim seus sonhos”.
É verdade que ninguém há que possa impedir as ações de Deus ou mesmo coibir suas intenções, e, nisto, estão corretos os que, com brados vitoriosos, lançam mão desta frase.
O problema é que facilmente os ditos sonhos de Deus são distorcidos em sonhos e anseios exclusivos do mesquinho coração humano, montando-lhe uma potencial bomba de desânimo, desequilíbrio e morte, acionada por frustrações desencadeadas por desejos e metas que jamais se cumprirão.
Muito dificilmente esse dito é levado a púlpito deixando-se bem claro que também esses tais sonhos de Deus possam ser completamente adversos aos nossos. Deus também diz não, e é possível que entre seus desejos esteja também o desejo de morte.
Para a teologia de mercado, onde tudo sempre vai dar certo segundo nossos desígnios, um personagem áureo é Ezequias, o afamado rei de Judá que, tendo adoecido, ouve do Senhor que morrerá e não viverá. A teologia por de trás do “não morrerei...” exalta o rei Ezequias por causa de sua ‘bem sucedida’ oração que fez com que Deus lhe acrescentasse 15 anos de vida.
Ezequias é um marco na linhagem real de Judá. Antes, somente o Rei Davi, depois, nenhum outro pôde ser a ele comparado em termos de fidelidade e relacionamento com Deus. Ocorre, no entanto, que Ezequias poderia ser muito maior do que é, e nisto mesmo consistia o desejo de Deus para sua história – a coroação de uma vida que andou diante dele em verdade e com coração perfeito, fazendo o que era bom aos seus olhos.
Ferindo de morte o rei, Deus desejou isolá-lo historicamente de uma linhagem imunda, cuja fidelidade e compromisso com ele eram mais instáveis que as relações com reinos vizinhos. Como não tinha filhos, Ezequias seria esquecido na linha de sucessão. Morreria e não viveria.
O rei não foi capaz de entender o sonho de Deus para si, porque era sonho de morte. O tempo voltou 40 minutos, mas Berodaque-Baladã pôs os olhos nas riquezas do templo, e Manasses nasceu para cobrir de vergonha o nome e as obras de seu pai.
Morrerás e não viverás – contudo, um outro rei disse sim.
Mesmo diante da grande agonia que lhe fora proposta, aceitou os sonhos de Deus: “Aba, Pai, todas as coisas te são possíveis; afasta de mim este cálice; não seja, porém, o que eu quero, mas o que tu queres.” Eis o verdadeiro exemplo a ser seguido, a antítese da enaltecida gafe de Ezequias, mas cada vez mais execrável pela teologia do triunfalismo.
Sim! Que realizem-se em nós os sonhos de Deus, mas que também perseveremos nisso ainda que sejam sonhos de naufrágios, prisões e martírio. Que verdadeiramente não morramos enquanto não se cumpram seus desígnios, mesmo que sejam adversos aos nossos, e ainda que sejam exatamente desígnios de morte. Quando estivermos na situação do rei Ezequias, que também nos voltemos contra a parede mas que digamos a ele que não seja feito o que nós queremos, mas o que ele quer.
"O nosso Deus está nos céus e faz tudo o que lhe apraz" Salmo 115.3
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